Nostalgia – Diferenças entre Europa e Brasil.

Olá pessoal.

Juntei uns amigos na quarta-feira passada aqui em casa. A desculpa era a inauguração do sofá que o pessoal tinha me dado de presente para preencher a sala vazia, e também iríamos ver um jogo da Libertadores da América. A farra foi muito boa, como sempre é. Tomamos todas!

A grande maioria do pessoal era músico. Numa certa hora, o jogo já havia terminado, e nas conversas começamos a falar sobre as turnês na Europa. Bateu uma saudade...

Já fui cinco vezes: 2005, 2006, 2007, e duas vezes em 2008. E provavelmente este ano não vai ter.

Ficamos comparando os shows que fazemos lá com os daqui. Os equipamentos que temos lá com os daqui. O tratamento que temos lá com o daqui. As paisagens de lá com as daqui. Tem um bocado de diferença. Resolvi fazer este texto para tentar mostrar estas diferenças para quem nunca foi para as bandas de lá. Só tem coisa boa? Não. Mas que tem mais coisa boa do que ruim, isso eu acho que tem!

** O friozinho... É a primeira coisa que chama a atenção quando descemos do avião em Lisboa. Todas as vezes que fui, descia em Lisboa e pegava outro avião para Paris. Sempre. Como sempre também fui só no verão, o frio não era grande, por isso falo que é uma diferença boa (não esqueçam que moro em Recife!). Lembro-me que a produtora de Lenine na Europa falou uma vez: --- Vocês vivem dizendo que aqui é uma maravilha. Queria ver se vocês iriam achar a mesma coisa se viessem pra cá no inverno! (risos)

A sensação de ar-condicionado sempre ligado à noite na rua é muito boa.

** As estradas... Ah... As estradas... Aqui dá vontade de chorar com a diferença absurda! Seria a mesma coisa que comparar a estrutura do Barcelona com a do Íbis. Para quem não é de Recife, o Íbis é considerado o pior time do mundo! Nem sei se esta comparação que eu fiz reflete ainda a diferença que existe entre as estradas de lá com as daqui... Poderia até comparar o Barcelona com o time de pelada dos amigos que se reúnem no meio da semana para jogar bola e tomar cerveja depois!

As estradas não têm buracos! São tapetes! 130 km/h é a velocidade permitida, 110 km/h quando está chovendo, e 90 km/h é a velocidade para os caminhões que sempre ficam na faixa da direita. Você não vê caminhão ultrapassando caminhão! Parece um comboio. Toda a estrada é mão única (duplicada) e não passa por cidades ou vilarejos. Não tem pedestre tentando cruzar a via de bicicleta. Quase não tem curvas que precise desacelerar. Fiquei com o pé doendo de tanto apertar o acelerador quando estava ao volante da van. Cansa ficar sempre apertando. Pra isso é que serve o piloto automático dos carros.

Toda a via tem acostamento. E sempre passamos por telefones que servem para pedir ajuda em caso de pane ou acidente. O dinheiro do pedágio (tem que ter o lado ruim) é muito bem empregado. Você não viaja sem pagar pedágio.

Em vários pontos da estrada existem áreas de escape, com estacionamento para descanso, banheiros, e umas mesinhas para fazer um pic-nic. Como muita gente lá viaja com trailer (aquela casinha sobre rodas puxada pelo carro), estas áreas servem para o pessoal parar para dormir. Já imaginaram a gente parando aqui no meio do nada na estrada para tirar uma soneca no carro?

A paisagem que vai margeando a viagem também chama a atenção. Muito verde, árvores bonitas, e muita plantação de girassol. Vi vários tapetes amarelos pela janela da van.

** A segurança... É muito bom você poder abrir um laptop na calçada de um café (daqueles que você vê em filmes) e não sentir medo de levar um tapa (ou um tiro) e de levarem seu equipamento. Foi muito engraçado na primeira turnê em 2005, quando nossa van parou num sinal às 2 da madrugada. Não tinha uma alma viva na rua. E ficamos lá, parados. Sem nenhum receio de uma abordagem violenta. Isso é muito bom. Não tem violência lá? Tem. Tem ladrão? Lógico que tem. Nossa van foi arrombada na Bélgica (Antuérpia) enquanto estávamos num bar. Levaram nosso GPS e minha mochila (logo a minha!). As bicicletas e motos são amarradas aos ferros por correntes na calçada, pois se der bobeira, tem gente que leva mesmo! Mas aparecer alguém apontando uma arma para sua cabeça no sinal ou em qualquer lugar para pedir seu celular ou bolsa, é quase impossível de acontecer.

** O show... Tem tanta diferença aqui que não sei por onde começar. Tinham me falado que eu teria problemas por tentar me comunicar em inglês com o pessoal lá na França. Erraram. Não tive nenhum problema nos shows com isso em todas as turnês que participei. Todos da parte técnica (em todos os países) se esforçavam para se comunicar e para resolver as nossas necessidades. Às vezes me senti um verdadeiro imbecil por não dominar o inglês e desperdicei a chance de trocar muitas experiências com os técnicos de lá. Só posso dizer uma coisa para os meus colegas de profissão: Aprendam inglês! Com este idioma você se comunica em várias partes do mundo! Em alguns lugares, não posso negar, mas foram poucos, os técnicos locais me trataram com certa desconfiança, como quem diz: --- Esse índio do Brasil não deve saber mexer nestes botões da mesa. Depois de mostrar que eu não era tão índio assim como eles pensavam, e que o show não era nenhum canto para chamar chuva, o tratamento mudava! E o melhor de tudo era escutar eles gritando no final do show: --- Super, bravo, good! Good job, good job! (Bom trabalho, bom trabalho!)

Impagável estes elogios.

Impressionante também como eles prestam atenção ao show. Mesmo em grandes festivais. Eles prestam atenção mesmo! E quando o show agrada, eles se envolvem de um jeito que parece que você está no seu país e é uma banda com música estourada na rádio! Uma Ivete Sangalo! Operei inúmeros shows de Silvério Pessoa na Europa. Puxei pela memória quantos shows não desencadearam uma reação positiva do público, e a resposta foram 2 shows! Foram uns cinquenta desde 2005... Tá boa a média, não é? Teve um show que aconteceram três voltas ao palco (3 bis). Hoje eu me assusto quando pedem bis aqui no Brasil! (risos)

** Os equipamentos... Na grande maioria dos shows, os equipamentos eram de primeira linha. Principalmente nos grandes festivais, logicamente. Não lembro de nenhum evento em que o sistema de caixas de som fosse um sistema “caseiro”, ou seja, clones de caixas feitas no quintal de casa, que sempre encontramos nos shows aqui no Brasil.

Peguei todo tipo de sistema de som e de ambientes. Shows em casas noturnas pequenas e shows em grandes festivais. Em 2005 as mesas analógicas predominaram, mas de 2007 pra cá, as mesas digitais começaram a aparecer com força!

Para quem acha que só tem técnico bom lá... A coisa não é bem assim. Tem gente incompetente lá também. Peguei gente que não conseguia fazer um monitor estéreo para Silvério Pessoa. E gente lerda na ligação do palco. Eu sei que não é muito justo fazer certas comparações, pois a parte econômica dos dois lados é muito diferente, mas vou continuar nas comparações sem levar em consideração a economia do país em questão. Lá é muito difícil pegar microfones clones baratos, cabos ruins, fios emendados, goteiras no palco. Muitos palcos não têm nem cobertura, pois eles têm certeza que não vai chover!

** O tratamento... Os artistas lá são tratados como artistas mesmo. Tratamento vip. Camarim farto, pessoal sempre prestativo e sorridente. Sem mesquinharias. Sem cara feia. E olhe que nem falamos a mesma língua!

Vejo aqui em muitos lugares, as pessoas contratadas do evento se preocupando mais com o bem-estar do secretário de cultura, ou do prefeito, ou da família e convidados do prefeito que estão no local do que propriamente dos artistas e equipe. Presenciei recentemente aqui em Pernambuco um prefeito com a família e convidados dançando em cima do palco (na lateral da frente) enquanto o pobre artista (conhecido nacionalmente) fazia o show. Muitos shows aqui são usados como vitrine eleitoral, independente da época. Em muitos locais a equipe e os músicos são tratados com desdém, como pessoas não muito confiáveis. A água, petiscos, doces e refrigerantes são racionados no camarim. Nem vou falar da cerveja.

Tudo bem... Sei de caso que um músico afanou um peixe inteiro de um evento... Mas não vamos generalizar, não é?

Se fosse no camarim da banda que ele trabalhava, eu ficava até calado, pois até eu mesmo já levei para casa bebidas (água, cerveja e até whisky) e não acho errado isso. Se está no nosso camarim, é nosso. O problema é que o peixe que o cara levou era do camarim que era destinado aos convidados do evento! Aí é lasca!

E entrar com o nosso carro no local do evento? Pense numa dificuldade! Tratam a gente como se estivéssemos ali tirando proveito de algo ou levando vantagem em alguma coisa. Enquanto isso, no Festival Paléo na Suiça, uma van saía do hotel num intervalo de 40 minutos para levar os artistas e/ou equipes que quisessem ver algum show no festival. Outra van estava à disposição lá no festival para levar de volta o pessoal para o hotel com o mesmo intervalo de tempo. Nunca vi isso aqui no Brasil. Acredito que até tenha algo parecido em algum festival por aqui, mas como não participo muito de festivais pelo Brasil afora, nunca vi. Se alguém aqui souber de algo parecido, me falem por favor.

Existe preconceito com imigrantes na Europa? Existe. Mas não passei por isso em todas as turnês que fui. Os imigrantes dão motivo para isso? Acho que dão. Presenciei numa viagem de trem que fazia entre cidades na França uma pessoa levar a maior esculhambação de uma senhora por estar fumando dentro do trem. Eles reclamam mesmo, não é feito a gente que fica calado com vergonha de reclamar. Depois de ser esculhambado, a pessoa passa ao meu lado reclamando: --- Porra, estes franceses são muito chatos. O cara era brasileiro! Muitas mulheres brasileiras foram barradas na Espanha, porque vão muitas mulheres brasileiras se prostituir por lá. Isso é fato. E pessoas inocentes pagam por isso. Dei este exemplo do brasileiro no trem porque eu estava no local. Mas o preconceito acontece com indianos, africanos, argelinos. E acredito que uma parte deste preconceito se deve ao fato dos imigrantes não respeitarem “as regras” (costumes) do povo de lá. Não vou julgar se são certas ou não as regras, pois isso não me cabe. Vai dar um tapa na anca de uma vaca na Índia para ver o que acontece! Aqui é a coisa mais normal do mundo!

Um dos músicos da banda de Silvério Pessoa ( Renatinho ou Augusto, não lembro) foi repreendido no vagão do metrô por falar muito alto. Ele achou um absurdo ser chamado à atenção por causa disso e eu falei que quem estava errado era ele, pois não é um costume conversar muito alto lá. Estávamos no país deles e não ao contrário.

** A comida... Este tópico veio à minha cabeça não pela qualidade da comida da Europa em si, pois temos muita coisa boa por aqui também, mas pela oportunidade de poder degustar comidas do mundo todo lá, principalmente nos grandes festivais. Ah... Comer um “durun” na Bélgica... (não é Renatinho?). Tentei rapidamente achar um comentário sobre este tipo de comida na internet e consegui achar a explicação de um brasileiro chamado Vinícius que está (ou esteve) por lá. Ele falou:

“...Depois a gente foi almoçar em bruxelas... EU AMO BRUXELAS... aquela cidade é demais.... Eu comi um DURUN...que é tipo uma comida turca que eles comem demais aqui, é uma especie de panqueca siria enrolada com lascas daquelas carnes que ficam girando num espeto...”

Quem quiser mais detalhes sobre as andanças de Vinícius, é só ir neste endereço:

http://canticobossal.blogspot.com/2007_09_01_archive.html

Lembro-me de um show (há muitos anos atrás) que fiz com a banda Versão Brasileira em Gravatá, na Festa do Morango. No hotel, alguém pediu um suco de morango, e não tinha!

** Calor humano... Ouvi muito falar que o pessoal de lá não tinha o calor humano que temos por aqui. Mas tivemos algumas surpresas com isso lá. Fomos várias vezes convidados para almoçar, jantar ou freqüentar alguma festa. Os pais do nosso produtor francês Fabrice fizeram um jantar na residência deles que eu vou morrer e não vou esquecer-me deste dia. Parecia coisa de filme de cinema!

O ensopado de frutos do mar que o produtor espanhol nos ofereceu em sua residência em Tenerife também foi outra reunião simples e memorável.

Nem vou comentar sobre nossa estada na casa do produtor de vinho Patrick, casado com a brasileira Terezinha, pois não tenho palavras para expressar o que acontece por lá! Só para lembrar, pois já comentei isso no meu Blog, ela (Terezinha) chora TODAS as vezes que vamos embora!

Sinceramente... Não vejo esta vontade por aqui.

Sobre a festa que fizeram pra gente na casa em que estávamos na Bélgica? Veio até fã Japonês (ou chinês?) com uma garrafa de champanhe Moët & Chandon.

Não vou negar que fiquei meio indeciso sobre veracidade da falta de calor humano por lá...

Também não sinto falta destas reuniões por lá, pois tenho isso aqui também com os meus amigos. Acho que estamos muito acostumados com as nossas reuniões que não damos o valor necessário. ** O cachê... Lá recebemos em Euro! Mas recebo o equivalente ao que recebo aqui em Reais, ou seja, em torno de 150 Euros. Se eu recebesse o mesmo valor numérico (ex: 300 Reais – 300 Euros) eu daria pulos de alegria! Já soube que tentaram fazer isso com um artista de renome nacional, mas não tiveram sucesso. Explicando: A tabela do cachê pago a um operador de áudio por um show no sudeste do país (aqui em Recife é muito menos) gira em torno de 800 reais. O pessoal tentou cobrar 800 Euros por um show lá fora, mas não deu certo esta tentativa, pois 800 Euros convertidos daria em torno de 2300 Reais!

** O controle de volume... Aqui no Brasil quase não temos controles de volume em shows. Motörhead que o diga, pois fiquei estarrecido com o volume do som do show deles no Abril Pro Rock. Foi ensurdecedor. Mas como não tinha nenhuma casa de juiz ou desembargador perto do local do evento, nenhum fiscal apareceu com um decibelímetro para averiguar! Mas também quando eles aparecem, exigem um nível que só com o ruído da plateia (sem acento agora) já ultrapassa. Infelizmente é assim que funciona a coisa aqui. Lá na Europa tive problemas em alguns shows, pois o nível que eles exigiam era muito aquém do que eu achava que era o necessário. Não sou fã de som muito alto, mas baixo também não!

Depois de dar uma conferida no texto, pude notar uma tendência minha pela Europa. Pode ser até que seja pelo deslumbramento ainda com o novo (nem tão novo mais), com o diferente, não sei...

Gostei muito de trabalhar lá, de tomar vinho por lá, de sentir frio lá, de quase não ser tratado com preconceito por lá, de ser elogiado lá, de ter ensinado algo por lá, de ter aprendido algo lá...

Vou finalizar com uma frase que não lembro aonde vi.

“Lá é bom para morar, mas é uma merda. Aqui é uma merda para morar, mas é bom”.

Tirem suas conclusões.

Um abraço a todos.