domingo, 18 de setembro de 2011

M.I.M.O. 2011 – Fugi de Egberto.


Olá pessoal.
Normalmente eu costumo explicar o título do texto no final da conversa, mas hoje vai ser diferente. Já vou começando com a descrição de uma conversa minha com Rogério (PA Áudio) pelo telefone dias antes da Mostra Internacional de Música em Olinda (MIMO).
Segue a conversa:

- Oi? Alô?
- Fala Fulerage!
- Fala Gostosão.
- Tais aqui em Recife entre os dias 7 e 11 de setembro? MIMO novamente.
- Rogério... Depende... Se for para operar o som de Egberto Gismonti, eu não tou aqui em Recife não. Vou tá na China vendo a novela Escrava Isaura!
- (Gargalhadas!) Certo, vejo um jeito de você não fazer este show.
- Ok, então estou em Recife nestes dias. Qualquer coisa, me liga. Um abraço.
- Tchau.


Foi assim que fechei o trabalho na MIMO deste ano.
A maioria dos trabalhos que faço para a empresa PA Áudio acontece somente porque um dos donos não pode fazer o serviço.
E tem lógica. Se os três sócios (que são técnicos de áudio também) podem fazer o trabalho, pra que pagar outra pessoa pra isso, não é?
Depois de vários remanejamentos de datas, acabei trabalhando em três dias de festival.
Fiquei sabendo ano passado, que Egberto Gismonti não era uma pessoa muito fácil de se lidar, e como tenho o mesmo perfil, resolvi não me confrontar com tal situação.
Entendam isso como uma questão de saúde.
Como o pessoal da PA Áudio (e muita gente agora) sabe que sou deste jeito, não se assustaram com o meu pedido.
Operei o som da Igreja da Sé nos dias 7 e 8, e no dia 9 fui remanejado para o Mosteiro de São Bento.


Para meus colegas do ramo, na Sé eu trabalhei com uma mesa digital Venue da Avid.
Duas caixas amplificadas da Behringer faziam o L/R do sistema e no centro eu tinha um line array DAS mono formado por quatro caixas que recebia o mesmo sinal do L/R via matrix.
Seguindo meu papo para os leigos, no dia 7 foi a apresentação de Ballaké Sissoko (Mali) e Vincent Segal (França).
Nunca tinha visto o instrumento do africano, que se chamava KORA.
Era uma mistura de harpa com berimbau.
Ao todo foram cinco canais na mesa. Três canais para a kora, um canal para o violoncelo de Vincent e um canal para o violoncelista poder falar.
Na kora, foram colocados dois microfones para captar o som das cordas, e o terceiro canal era um DI (direct box) onde entrava um captador que já estava fixado no instrumento, e segundo as explicações que o Francês me deu, este captador era só para “pegar” uma determinada nota mais grave do instrumento.
Segui o conselho do violoncelista francês e filtrei este canal para ficar respondendo somente às frequências graves. Depois fui somando com os outros dois microfones para chegar num ponto que eu achasse que seria o ideal e que satisfizesse os músicos também.
No palco apenas um monitor para o Africano.



Impressionantemente, quem me orientou todo o tempo sobre o som do instrumento africano foi o Francês! O músico africano não dava uma palavra!
A kora emitia muito pouco som. Tive que dar um ganho excessivo nos dois microfones para o som aparecer. E por causa deste ganho excessivo (mas necessário), fiquei sempre no limite da realimentação.
A reverberação dentro da igreja chega perto dos 3 segundos!
O que era para soar TUM, soa TUUUUM. Deu para entender?
Minha sorte foi que o público fez um silêncio fúnebre dentro da igreja durante o show, e isso me ajudou na operação do som.

 
Ainda tive uns dois princípios de realimentação (microfonias) no começo do show, e para piorar o Francês fazia caretas de insatisfação durante as realimentações, mas consegui controlar.
Como o violoncelista mudava sempre a forma de tocar entre o arco e o dedilhado, tive que passar o show todo pilotando o fader do canal do violoncelo para cima e para baixo.
Existe um plugin da Waves que faz este trabalho. Chama-se Vocal Rider.


Kalunga, técnico de PA de Ivete Sangalo, usa este plugin na voz da cantora, pois como o próprio nome do plugin diz, ele é feito para voz, mas eu teria colocado no canal do violoncelo tranquilamente.
Realimentações controladas, o show seguiu sem mais problemas.
No dia 8 a coisa foi bem mais complexa!



Era somente um nome. Arthur Verocai.
Mas quando fui ver as participações, o negócio complicou.
Participariam da apresentação o Projeto Coisa Fina, mais dois cantores, mais uma orquestra de câmara formada por 16 cordas (violinos, violas e cellos)!
Ah! O Projeto Coisa Fina era formado por: bateria, baixo (com amplificador), guitarra (com amplificador), violão, piano acústico, piano elétrico, percussão, 4 saxofones (que tocavam flautas também), trompete e trombone!


Imaginaram isso tudo dentro de uma igreja com quase 3 segundos de reverberação?
Agora, para melhorar ainda mais a coisa, acrescentem vários monitores de chão!
E para finalizar, pois faltou espaço no palco para todo mundo, coloquem a orquestra de cordas e os cantores na frente das caixas do PA!
Resumindo... A confusão estava formada.



Para chegar num consenso, tive que no meio do sound check ir conversar com o maestro e com os músicos para passar o que estava ocorrendo.
Não tinha como eu colocar o som das cordas e as vozes dos cantores no som do PA sem realimentar, pois o som que já vinha do palco (som acústico dos instrumentos da bateria e da percussão, som dos amplificadores do baixo e da guitarra e o som dos monitores de chão) era muito alto e as cordas (todas com microfones) e os cantores estavam na frente das caixas de som!
Quanto mais eu aumentava o som das cordas e dos cantores nas caixas de som do PA, mais este som das caixas do PA era captado pelos microfones das cordas e dos vocais, e este som captado era reenviado para as caixas do PA formando um LOOPING causando a realimentação.



Looping? Imaginem um círculo, onde o começo e o fim de uma trajetória é o mesmo ponto, assim que a trajetória acaba, ela começa novamente, tornando-se um caminho infinito.
Era isso que estava acontecendo comigo no sound check.
Fui muito filósofo neste comentário...
Depois de um pequeno (acho que não foi tão pequeno) mal estar causado pela minha observação durante o sound check, seguimos com o trabalho e acabamos chegando num ponto que agradou os dois lados: artista – técnico.
Lucas, que fazia parte da produção na Igreja da Sé, conseguiu coordenar o diálogo entre o artista e a técnica.
Como nesta igreja tem público do lado de fora vendo o show por um telão, o som tem que ser enviado lá para fora também.
O problema é que nem sempre coloco o som do instrumento (ex: trompete) no PA porque já estou escutando perfeitamente o som acústico deste instrumento dentro da igreja, mas lá fora ninguém vai escutar, então eu faço outra mixagem para a área externa. E assim foi feito.
Mais uma vez vou falar para meus colegas do ramo.
Diferente da noite anterior do Africano com o Francês, onde a mandada (via auxiliar) do som lá pra fora foi POST fader, neste dia do Arthur Verocai resolvi mudar a mandada para PRE fader.
Por quê?


Porque na primeira noite tudo foi mais calmo. Quase nenhum som acústico dos instrumentos vinha do palco, e o único monitor de chão não estava num volume alto.
Por causa disso, fiz uma mixagem normal de show. Não precisei misturar o som acústico que saía do palco com o som do PA.
Tudo que estava saindo no som do PA era para ser enviado para o som externo na mesma proporção. Poderia até mandar o sinal L/R por um matrix, mas optei pela mandada auxiliar para eu ter a opção de mudar de POST para PRE se eu achasse necessário.
Na segunda noite eu tinha certeza que muita coisa não ia para o som do PA, ou não ia na mesma proporção em relação ao som externo. Por esta razão mudei tudo para PRE fader.
Funcionou.
Já tinha comprado o ingresso do jogo do Santa Cruz contra o Alecrim de Natal, que acontece amanhã no Estádio do Arruda lá em Recife. Mas o telefone tocou e tudo mudou. 
Amanhã? Lá em Recife? 
Isso. Hoje é sábado, pra ser mais exato é o final do sábado, porque o relógio já marca 23:45h, e eu estou numa praia chamada Carne de Vaca, que fica perto da divisa com a Paraíba. 


Parei de escrever este texto na quinta-feira, eu acho... 
Ao telefone estava Paulinha, esposa de Xando, um grande amigo... Trinta anos ou mais, quando esta amizade começou... Iam para Carne de Vaca e me perguntaram se eu queria. Lógico que eu queria! Desmarco quase todo divertimento marcado, que não seja com meu filho, para ficar com estes amigos. 
Prezo muito por isso. 


Estou aqui no quintal da casa que fica na beira do mar. Céu toca no sisteminha de som made in china. Muito legal o som de Céu. 
Todos já foram dormir. Eu dei uma parada de quase duas horas para me recuperar da orgia gastronômica que ocorreu durante o dia. Bebi vodka com Sukita num bar enquanto apreciava um peixinho assado, e quando cheguei na casa voltei para minha Sprite, e continuei no peixinho, depois no marisco, e depois no caranguejo e para finalizar rolou ainda um chambaril! 
Foi muita comida, me lembrou a França! 
Dei um cochilo numa rede aqui na varanda da casa. Como ninguém deu esta parada, fiquei aqui sozinho, sem sono, e querendo beber um vinho. Ninguém aguentou ir mais longe. 
Resolvi escrever. 


Quem é Egberto Gismonti mesmo? 
Só faltou meu Filho aqui. Este lugar me faz pensar que o céu é aqui mesmo. Aproveite!
Papo de ateu, esqueçam.


No final da apresentação de Arthur Verocai, ele fez vários agradecimentos, inclusive à equipe técnica e isso só fez comprovar que tudo valeu a pena.
Estou quase acabando com a garrafa de Sendero de Chile, mais uma opção da Concha y Toro que eu indico. Este é Merlot. Nunca tinha provado este Sendero de Chile. 
Seu Jorge toca no somzinho agora... 
A carne mais barata do mercado é a carne negra, diz ele. 
Não gostei da música não.
Depois de dois dias na Igreja da Sé, a diretoria da PA Áudio me remanejou para o Mosteiro de São Bento.



O Projeto Coisa Fina iria se apresentar lá, mas sem o Arthur e sem a orquestra de câmara.
Vai ser tranquilo, me disseram. Só o Coisa Fina? Vai ser moleza.
E foi tranquilo mesmo... Mesmo ainda usando seis vias de monitores de chão!
Neste trabalho eu tinha a mesa digital LS9 da Yamaha. Ao contrário do trabalho que fiz na Sé com o Arthur Verocai, onde tinha outra mesa para fazer o monitor, aqui era só a LS9 para fazer os dois trabalhos.
Só solicitei que elevassem as duas caixas de som que estavam no mesmo nível do solo. Pedido atendido, segui em frente.


O sound check não foi tão rápido, mas não foi tão complicado também. Normal.
Quase normal também foi o show. Só um probleminha num canal que falhou algumas vezes. Mas como nem precisei enviar o som para fora da igreja, o som acústico do instrumento conseguiu ficar audível mesmo com o microfone falhando.
Poucas pessoas dentro daquela igreja notaram isso. A acústica da igreja agora ajudou.
Vi em algum meio de comunicação alguém falando que foi o melhor show do dia.
Foi legal mesmo.


O segredo do trabalho na MIMO, acredito eu, é não tentar simplesmente colocar tudo no som do PA. Se o técnico tentar colocar tudo no som da frente não vai se dar bem. Esta é minha opinião.
Já quebrei a cara legal num show de Silvério Pessoa anos atrás na Europa. Tentei colocar tudo no som do PA que era formado por duas (ou quatro, não lembro) caixas amplificadas, desconsiderando o som acústico dos instrumentos e o som dos amplificadores da guitarra e do baixo.
Resultado?
As caixas pararam de funcionar porque tinham um sistema de proteção que era ativado quando havia excesso de sinal. Pararam umas três vezes durante o show, até que “acordei pra jesus” e baixei todos os instrumentos e priorizei a voz que não saía em nenhum monitor, porque não haviam monitores no palco!
Todos usavam fones! Inclusive Silvério, que usava um in-ear.
Quando as caixas travavam, a voz simplesmente desaparecia porque não tinha nenhum monitor de chão.
A partir deste dia comecei, em lugares pequenos, a misturar o som acústico dos instrumentos com o som do PA.
Coloco até microfones nos instrumentos, mas só abro no som da frente quando acho que é preciso.


Acho que a cada ano a coisa complica na MIMO.
Isso no quesito som.
A coisa deixou de ser “intimista”, ao ponto de não caber todo mundo no palco, como foi o caso do Arthur Verocai e convidados, onde metade dos músicos ficou na frente das caixas de som, coisa não muito aconselhável. Tanto não é aconselhável, que quase nunca vemos os músicos nesta posição nos shows mundo a fora.
A acústica das igrejas não combina com som amplificado.
E a cada ano mais músicos e/ou artistas exigem monitores de chão com um nível sonoro igual a um show num palco normal ao ar livre, usam amplificadores de instrumentos com volumes elevados, etc.
E isso dificulta o trabalho de sonorização. Para mim, quanto menos microfones ou amplificadores no palco, melhor.




Falei um dias desses para uma Amiga (Karina) que achava que os shows onde trabalhei na MIMO eram mágicos. Tenho a impressão que os músicos tocam por osmose, que não ensaiam e os instrumentos fazem parte do corpo deles.
O ambiente de uma igreja ajuda para uma sensação dessas, mesmo eu sendo ateu.
Na verdade, eu levo mais para o lado da magia do que da fé. Tudo se torna mágico na hora do show, ninguém sabe mesmo o que ocorreu antes, não é mesmo?
Pelo menos não sabiam até eu criar este Blog.
E o que é mágico para um ateu que acha mágica simplesmente um truque?
Me arrepio, me emociono, acho belo. Mágica pra mim é isso.
Sou eu que estou amplificando o que aqueles caras estão fazendo naquele palco?
Cacete! Tá bonito.


Senti isso em vários momentos nestes três dias de trabalho na MIMO.
O paraíso, pra mim, é aqui mesmo!
E o inferno também!
Vou beber o último gole do vinho tinto, comer um misto quente e dormir. 
Duas horas da manhã.
Um abraço a todos.

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