sexta-feira, 14 de abril de 2023

Inclusão x Técnica - Será que estão pulando etapas ou sou muito lento?

 
Abril Pro Rock 2004 com Pezão, que sonhava em montar uma escola de formação técnica para shows.
Olá pessoal.
Tenho visto nos últimos anos pelos palcos por onde passei aqui em Pernambuco uma coisa que me chamou a atenção.
Não sei se isso acontece em outras regiões.
Vou falar só da minha.
Tenho visto, tanto em palcos de festas particulares, como em palcos de prefeitura e governo, pessoas que ainda não estão aptas a assumirem funções técnicas.
Poderia falar também sobre outras funções, mas vou ficar na parte técnica, porque é onde atuo.
Vou voltar um bom tempo atrás...
Na cabine da Over Point em 1987. Se derem um zoom, vão notar que eu estou com pele de amendoim no dente!
Quando eu entrei na Over Point no final dos anos 80, não sabia direito o que era um amplificador ou uma mesa de som.
Fui para ajudar meu sobrinho Yoran Júnior, que era o DJ da boate, no intuito de aprender algo mais interessante.
Estava quase sendo contratado por um posto de gasolina, onde fazia um teste de três meses no escritório.
Com certeza não estava nos meus planos ser gerente de posto, mas foi o único trabalho que consegui na época, para poder pagar minhas contas.
O sonho de ser professor de educação física já não estava mais na minha mente, e eu precisava me virar financeiramente.
Fui trabalhar nesse posto, mas logo vi também que aquele não seria meu caminho.
Fui ser assistente de DJ.
Como já devo ter falado antes aqui no Blog, foi onde tudo começou para mim profissionalmente.
Vou resumir...
Passei um bom tempo observando meu sobrinho trabalhar...
Fui aprendendo a ligar os equipamentos, vendo como eles funcionavam, como eram ligados, pra que serviam etc, etc, etc.
Mas minha intenção, e a do meu sobrinho também, era eu poder assumir o controle da noite, escolhendo as músicas para o público dançar.
Acho que passei quase um ano(!!!) treinando para assumir o posto de DJ.
E durante esse tempo, comecei a operar o som da música ao vivo, usando uma mesa Staner de oito canais.
Chegava cedo para abrir a casa, ligava os equipamentos e ficava colocando "música lenta" para receber os clientes, ou colocava alguma parte de algum show, enquanto aguardava a chegada do meu sobrinho para começar a "noite dançante", que acontecia exatamente à 1h da manhã.
Quando a boate não funcionava, eu geralmente ia pra lá, e ficava escutando os discos que chegavam pra gente, enviado por amigos que moravam no exterior, ou que a gente comprava em (poucas) lojas  especializadas.
Chamávamos esses discos de 12 polegadas de "remix", e normalmente continham apenas UMA música, com várias versões.
Nunca vou me esquecer da ligação do meu sobrinho, já perto de 1h da madrugada, avisando que ele não iria para a boate, e era para eu assumir a noite!
Over Point no começo dos anos 90 (92, 93... Não lembro o ano exato).
Foi aterrorizante.
Teoria é uma coisa, prática é outra!
Eu já sabia como funcionava a "coisa", mas é bem diferente de FAZER a coisa.
Para vocês terem ideia, a gente tinha que decorar onde cada disco estava, e quando a gente escolhia esse disco para tocar, a capa ficava no mesmo lugar, para manter o posicionamento.
Resumindo...
Demorei tanto para escolher uma música para tocar, que a que estava tocando acabou e o som ficou no silêncio!
A coisa mais desesperadora para um DJ.
A música parar!!!
Mas parou.
Foi assim que comecei a assumir a cabine da Over Point, depois de quase um ano observando e treinando.
Em meados dos anos 90, fui convidado pelo meu irmão Tovinho para trabalhar no estúdio dele, o famoso Estação do Som.
Dessa vez não comecei do zero, mas foi onde tive o primeiro contato com mesa digital e outros equipamentos usados em gravações, totalmente diferente do que eu estava acostumado na boate.
Mas vou adiantar o tempo...
Tovinho me jogou aos leões quando me colocou para fazer o monitor da Banda Versão Brasileira.

Eu não tinha condições de operar o monitor de uma banda num show ao vivo!!!
Isso era fato.
O que eu fazia na boate era bem simples.
Nem sabia direito como funcionava uma mesa de monitor!!!
Não teve jeito, e Tovinho me mandou para a Bizasom, onde puder VER uma mesa de monitor, e onde me explicaram como funcionava. Acho que fui 3 dias lá.
Ou seja...
Eu não poderia fazer o monitor da banda, mas fiz.
Sorte minha, o técnico da empresa de som me conhecia das minhas idas para as boates com meu sobrinho.
Fernando era o técnico de monitor da empresa de som, que pertencia à Mário Guimarães.
Carnaval em Boa Viagem, no Palco da Brahma. Nunca mais vou esquecer!!!
Eu ia muito para a boate Broadway no começo dos anos 80 (não lembro exatamente o ano), que ficava na cobertura do Centro Sul em Boa Viagem.
Meu sobrinho era o DJ da casa noturna, e eu ficava um bom tempo conversando (fofocando?) com Fernando na portaria, vendo quem entrava e quem saía da casa.
Foi Fernando quem me salvou nessa minha estreia no show ao vivo em palcos sem ser o da Over Point.
Foi um susto dos dois lados, porque eu não sabia que ele estava nesse ramo de shows, e vice-versa!
Eu só fazia o monitor da Versão, não tinha capacidade técnica de fazer outros artistas.
Por isso ninguém me chamava para outros trabalhos, mesmo eu sendo muito amigo dos proprietários da PA Áudio (Rogério, Normando e Mário Jorge), que já estavam no mercado a muito tempo, e eles operavam o som para vários artistas, como Alceu, Lenine, Silvério Pessoa...
Fora isso, eles sonorizavam o Abril Pro Rock (APR) desde o começo, quando ainda era na Avenida Rui Barbosa.
Eu ia muito, mas como espectador, não como técnico.
Depois de alguns anos fazendo o monitor da Versão, fui convidado pela PA Áudio para fazer o monitor do palco 2 do APR.
Mas me chamaram quando acharam que eu poderia fazer.
Nunca pela amizade!!
Foi nessa época também que fui convidado para substituir um deles no monitor de Silvério Pessoa no carnaval de 2004, num palco armado na frente do Eufrásio Barbosa em Olinda.

Foi o primeiro artista com quem trabalhei, depois da Versão Brasileira!
Passei 8 anos direto com Silvério depois desse show, indo com ele para Europa já em 2005, operando o PA do show.
Tour 2005 na Europa, produzida por Marc Regnier (camisa branca).
Mas... Quando ele me convidou, não aceitei. (risos)
Por achar que ainda não estava preparado para fazer isso.
Operar o som do PA? Vixe. Eu só fazia monitor!!!
Amigos e familiares me fizeram mudar de ideia, e eu fui. 
Depois dessa, ainda fui mais cinco vezes pro lado de lá com Silvério e uma com Naná Vasconcelos.
Não lembro se foi em 2005 ou 2006, que me deparei com uma mulher responsável pelo som do PA de uma casa noturna em Paris.
Aqui isso era bem raro naquele tempo, e acho até que nunca tinha visto uma técnica de PA até àquele momento.
(Achei a foto!!!! Foi na minha primeira ida, em 2005.)
Logicamente não lembro do nome do técnico de monitor, e nem da técnica de PA da casa noturna.
No fundo está Dominique Chalhoub, técnico Francês que operou o som de Nina Hagen quando ela fez um show aqui em Recife no Geraldão, a muiiiiiiiiiiiiiitos anos atrás.
Foi ele quem mixou o disco de Silvério Pessoa chamado Cabeça Elétrica Coração Acústico.


Bem...
Ela estava lá porque era competente, não porque era mulher, posso garantir.
E meu texto aqui não é sobre mulheres nos palcos, é sobre pessoas nos palcos em Pernambuco, que pode ser homem, mulher, negro, branco, amarelo, verde, caolho, com ou sem dente etc, e que não estão aptos a assumirem os trabalhos.
É porque a primeira mulher numa mesa de som fazendo o PA a gente nunca esquece. (risos)
Me encontrei depois com outra fazendo o monitor num show ao ar livre, mas não tinha a mesma competência da primeira. Pra ser sincero, estava bem longe disso.
Voltando ao assunto...
Por que eu fiz essa introdução longa falando de como eu comecei a fazer meus trabalhos no áudio?
Porque acho que hoje em dia estão pulando essas fases do aprendizado, e estão contratando pessoas para fazerem um serviço técnico por causa de gênero, cor, ou por ter feito um curso de 20h.
É o que tenho observado pelos palcos por onde passo.
No carnaval que passou, fui operar o som de Almério em Fortaleza.
Palco impecável, atendimento impecável... Tudo limpo, bem cuidado.
Não levamos técnico de monitor. Foi só eu.
Combinei com o diretor do palco, e o técnico contratado do evento iria fazer o monitor.
Passamos o som, tudo ok.
Na volta para fazer o show, subi antes no palco para conferir a ligação dos instrumentos, e o posicionamento dos microfones, principalmente o do amplificador da guitarra, que é fácil colocarem invertido, pois ele é quadrado, e a frente é quase igual ao fundo.
Colocaram o amplificador no lugar, e quando fui checar o microfone, o técnico responsável pelas mudanças entre uma banda e outra, estava agachado na frente do equipamento, olhando para a foto que ele tirou com o celular do painel do amplificador depois do nosso soundcheck, voltando os botões para os lugares que o nosso guitarrista deixou.
Nem esperei para ver ele posicionando o microfone.
Jones era o nome dele.
Duvido que ele estava ali porque tinha feito um curso de 20h, ou porque era um homem (cis)...
Era impossível ele colocar o microfone na posição errada!
Duvido também que o Carranca me coloque num evento para gerenciar o patch digital num sistema DANTE ou AES50, usando ou não o Multiverter.
Faço muitos trabalhos para o pessoal do Carranca, mas eles sabem que eu não tenho ainda competência pra esse trabalho!! 
(Ainda, viu? Vou dar uma estudada nesse assunto)
Quando o próprio Carlinhos Borges não pode fazer, chamam Vini, que domina bem o assunto.
Ou vão me chamar pelo respeito da idade, onde Vini tem um pouco mais da metade desses anos que eu tenho?? (risos)
Jamais!
Para mim, devemos usar a inclusão, a amizade, o parentesco, ou qualquer outro fator, para a pessoa ter a oportunidade de aprender, mas nunca a pessoa assumir um cargo técnico por causa da inclusão ou desses outros fatores.
Treina antes. 
Inclui em estágios, em cursos, dá oportunidade de ver como funciona um show ao vivo, ficando ao lado, olhando.
Essa "inclusão forçada" que vi nos palcos, é quase impossível de ser encontrada em outras profissões.
Tudo bem que nosso meio não é regulamentado, mas estão exagerando.
Com a PA Áudio em Fernando de Noronha (2008).
Vocês podem até perguntar:
--- Mas Titio, você não começou sem estar pronto?
Comecei. Não estou pronto até hoje para várias coisas!
Mas no meu caso, foi um sobrinho e um irmão me jogando aos leões.
Até hoje os artistas colocam quem eles querem na equipe técnica, estando apto ou não!
Foi o meu caso, mas nem por isso meu sobrinho me colocou para fazer a noite com dois meses da minha chegada, nem meu irmão me colocou para mixar um disco no estúdio para o artista colocar pra vender.
Muito menos meus amigos da PA Áudio me chamaram pra fazer o APR quando saí da boate.
E quando foi para eu entrar no mercado, sendo convidado para outros trabalhos, os fatores amizade, parentesco ou qualquer tipo de inclusão não tiveram a menor relevância.
Quando esses fatores ficam na frente da competência técnica na hora de uma contratação de um profissional para assumir um posto num show ou evento, é fácil esse contratado não suprir as necessidades desse show ou evento.
Acho que estão pulando fases importantes na formação desse profissional aqui na nossa região.
Ou então... Eu sou muito lento no aprendizado!!!
Um abraço a todos.

6 comentários:

Cleison disse...

Tenho opiniões semelhantes, Titio. Devemos buscar a competência, SEMPRE. Oportunizar caminhos num sistema de aprendizado não é sobre ascensão instantânea nem tornar pessoas aptas a nada. As pessoas precisam ter consciência disso. Esse é um dos maiores problemas da nossa área técnica: gente que se acha capaz de realizar todas as atividades com ou sem apoio dos orientadores porque fez alguns cursos e se autonomeia qualquer coisa.

Titio disse...

Olá Cleiton.
Acredito que o problema maior está em quem contrata, e não no contratado.
Estão confundindo o termo "inclusão".
Ia até levantar outro ponto que discutimos no grupo Técnica PE, sobre uma premiação técnica... Mas não quis misturar os assuntos.
Uma premiação técnica onde o candidato teria que informar gênero, cor, raça, se era LGBT ou pertencia a alguma tribo indígena etc, e essas escolhas poderiam aumentar ou diminuir a pontuação dele?
Numa premiação TÉCNICA, para mim, nada disso era pra ser perguntado.
Mais uma vez seria confundir o termo "inclusão".
O nome já diz... Premiação TÉCNICA.
Então, no meu ponto de vista, seria a única coisa a ser informada pelo candidato(a).
Outro ponto que achei interessante, foi o que Raminho falou no grupo, sobre o contratante escolher os profissionais por causa dos valores ($$$).
Vou pedir pra ele deixar o ponto de vista dele aqui nos comentários.
Obrigado por participar do Blog.
Um abraço.

Raminho - Virada de Palco disse...

Boa noite @⁨~Titio⁩ adorei o texto. E hoje como formador me sinto contemplado nas palavras de @⁨~Cleison Ramos⁩ e nas suas.
Lembro que no meu início a 18 anos atrás eu estava aprendendo e não podia pegar em nada, eu ia apenas para auxiliar: afinar uma guitarra pois eu tocava, limpar as cordas após o show e muitas vezes separas os matérias. Mas aquilo para mim era aprendizagem. Nos cursos que ministro sempre deixo claro que ninguém sai do curso pronto ou pronta que a formação ela deve ser continuada. Mas como @⁨~Cleison Ramos⁩ falou isso em qualquer das áreas técnicas temos pessoas que acham porque fizeram um curso já estão aptos a trabalhar. Como também vejo uma crescente de colocarem pessoas sem experiência para trabalhar para pagar menos, e não querer ter um (a) profissional mais experiente perto para orientar. Por outro lado temos exemplo de alguns festivais que colocam as pessoas para praticarem o que aprenderam em curso, mas com a supervisão de uma equipe técnica experiente.
Um assunto importante você levantou.

Titio disse...

Oi Raminho.
Legal você deixar as outras possíveis respostas para o problema que eu levantei.
Obrigado por participar do Blog.
Um abraço.

Janja disse...

Titio, texto impecável!
Em 2023 farei 45 anos que venho aprendendo com os erros.
Eu gostaria de falar mais sobre o problema de inclusão, mas eu não tenho dinheiro para pagar um advogado, sendo assim vou ficar por aqui.

Abraço!, JanjaBoy

Titio disse...

Olá JanjaBoy.
Obrigado pelo "texto impecável". (Risos)
Acho que consegui passar o que tenho visto pelos palcos por onde estou passando.
Fora esse meu ponto de vista, tem ainda o que Raminho falou.
Realmente, já faz um bom tempo que profissionais são contratados por causa de valores mais baixos de cachês e até por estarem mais disponíveis.
Vivendo e aprendendo...
Um abraço.