quinta-feira, 18 de maio de 2023

"Decibelimetricamente" falando, está complicado fazer shows em Recife.

 

Olá pessoal.
Estou quase indo morar em outro Estado, mas deixa eu fechar o trabalho que eu aviso aqui.
Enquanto não vou, continuo fazendo meus trabalhos, e no fim de semana passado fiz dois.
Um show de Otto na La Casa, e um show de Nena Queiroga & Ylana no Plaza Shopping.
Ambos aqui em Recife.
E atualmente posso afirmar que não foi um coincidência o que aconteceu nos dois shows.
Dois shows completamente diferentes, em lugares diferentes, com bandas diferentes, mas com um ponto em comum, que está cada vez mais comum de acontecer aqui em Recife.
O que?
O nível sonoro do show tem que ser baixo!!!
Esse problema com o nível sonoro nas casas de shows aqui em Recife está crescendo de uma forma, que daqui a pouco não tem lugar pra fazer um show com um "som" decente.
No primeiro contato que eu fiz com os técnicos das empresas que iriam sonorizar os shows, a questão do nível baixo do som no ambiente já foi informado.
Vou falar de cada show separadamente.
Otto - Soundcheck - La Casa.

O de Otto aconteceu na La Casa, um casarão muito charmoso numa avenida movimentada de um bairro nobre de Recife.
Um jardim enorme, com várias mesas, cadeiras e guarda-sóis.
Lugar muito bonito!!!
Pelo que entendi, o local é (ou era) um restaurante/cafeteria, e pode ser locado para eventos, como acho que foi o caso desse show de Otto.
Pela foto abaixo, vocês vão poder ter ideia do problema.

O local do show foi montado nesse terraço no final da escada.
Foi colocado uma coberta nesse terraço, onde o mini-palco ficou no lado esquerdo, e a mesa de som no lado direito.
Na foto ainda dá para ver os vários prédios ao redor do casarão, né?
Aí começava a bronca.
E ela foi maior, porque o show de Otto não foi voz e violão.
Em shows mais "calmos", sem instrumentos de percussão e nenhum amplificador de guitarra e baixo, o trabalho para deixar num nível sonoro que agrade a todos (proprietários, clientes e vizinhos) é bem mais fácil.
Mas num show como o de Otto, fica complicado.
E olhe que só foi um guitarrista!!! Normalmente são DOIS!!!!!!!
Com dois amplificadores potentes!
Nesse show, não tinha tanta diferença para o show que ele fez no carnaval na Praça do Arsenal.
Foi só um guitarrista a menos, e algumas peças de percussão que não entraram.
E só!
Então, só o som que vinha do mini-palco já estava bem acima do que era permitido (ou esperado) pelos proprietários da casa.
Fora os instrumentos percussivos (bateria e congas), fora os amplificadores de guitarra e baixo, ainda tinham 4 caixas de monitores no palco, para Otto e dois músicos escutarem suas vozes.
Vou resumir...
Não tinha como ajustar o nível sonoro desse show para o que eles queriam.

Um dos grandes problemas que vejo nesses meus trabalhos, é que os proprietários das casas noturnas acham que todo show é igual, que podem ter o mesmo nível de pressão sonora.
Projetam a casa para shows de voz e violão, e colocam (ou aceitam) shows de rock!
Pra ser sincero, esse projeto do som nem existe na grande maioria dos espaços que vão utilizar música ao vivo.
Aí, não tem como dar certo!!!!
Fiquei sabendo que no Abril Pro Rock desse ano, que aconteceu no Clube Português, foi exigido 70 dB (decibéis) como limite sonoro do PA (caixas direcionadas ao público).
Comecei a rir quando vi o aviso. (Foto no início dessa postagem)
Não tem como um show de rock ficar nos 70 decibéis!!!!!!!!
Só o baterista tocando no palco, sem o som da frente (PA) ligado, já passa desse nível para quem está no ambiente do show!
Nem sei como resolveram isso lá...
Não sei também como tem shows grandes no Clube Português com aquele prédio do outro lado da rua!!!! E vários outros prédios ao redor do local. Não tem como o som não chegar num nível incômodo nas residências ao redor do clube.
No meu caso, durante o show, fui baixando várias vezes o máster da mesa à pedido da produção da casa, até chegar perto de MENOS 10 dB.
Baixar 10 dB, é baixar MUIIIIIIIIIIIIIITO.
Ao chegar nesse ponto, falei que não tinha mais como baixar o volume geral.
Era o máximo que eu poderia chegar naquele show.
Falei que para baixar mais, eu iria cortar todo o som da frente, e ficaria só o som que estava vindo do palco.
Deu para ficar nesse nível durante todo o show, mas sempre quando a dinâmica da banda mudava para cima, chegava gente no meu lado.
Já perto do final do show, chegou alguém do meu lado com o celular me mostrando uma foto de grupo de WhatsApp de algum morador do entorno reclamando do som.
Mas deu para ir até o final do show.
Já guardando meus equipamentos, enquanto tocava uma playlist do laptop da casa, o mesmo rapaz chegou de novo na mesa de som para solicitar que cortasse todo o som, pois agora a polícia estava na frente do estabelecimento! (Nem vou rir...)
Quase impossível agradar todas as partes. Eu reconheço.
Deixei num nível aceitável para o público que estava no local, mas mesmo assim era muito para os moradores.
Como falei, só voz e violão para não ter problemas com a vizinhança.
E como o espaço é todo aberto, até com voz e violão complica, dependendo do horário.
Já estou pegando trauma com polícia chegando nos meus trabalhos.
Esse foi o segundo caso, mas sei que o problema não sou eu.
O problema é onde essas casas de eventos são montadas, como são montadas, e quais os estilos musicais que são escolhidos para serem executados nesses ambientes.
Vamos agora para o show de Nena Queiroga & Ylana...
Show Nena Queiroga & Ylana. (Foto by @paulamaestrali)
Muito legal o espaço montado numa área externa do Plaza Shopping.
Ambiente charmoso e arejado, com mesinhas e cadeiras, quiosques com comidas e bebidas.
Palco legal para o tamanho do ambiente.
Poderia ter mais equipamentos de som, principalmente no PA, que poderia ser o dobro de caixas pelo tamanho do ambiente, mas... Eu já sabia que tinha problema também com o nível sonoro.
Fiquei sabendo que houveram alguns problemas no dia anterior com o AC, e que acabou aparecendo no meu soundcheck, mas conseguiram resolver.
A mesa de som também foi trocada por causa de problemas no dia anterior.
Usei a Ui24 da Soundcraft, que eu só tinha usado duas vezes na minha vida, mas não foi complicado usar as funções, depois da breve explicação do proprietário da empresa de som.
Eu já sabia que existiam os mesmos problemas com a vizinhança como no show de Otto.
Passei o som normalmente pela manhã, e comecei o show à tarde, esperando para ver se iria aparecer o pedido para baixar o som.
Mas não chegou pedido algum!!!
Passeando pelo lugar durante o show, achei que estava boa a cobertura sonora, mesmo eu indo até o final do espaço.
E lá no final, colocaram uma caixinha de reforço sonoro, que era a cópia do som do PA.
Aí tudo ficou bem justinho, onde todos da plateia estavam escutando tudo confortavelmente.
Era outro espaço, bem maior que o terraço do show anterior, era outro show, outro estilo de música... Não era show de rock com guitarras distorcidas!
No show de Otto, o público estava praticamente dentro do palco!
O nível sonoro que vinha do palco de Nena Queiroga não chegava perto do que vinha do palco do show de Otto no terraço da La Casa.
Então foi bem mais fácil juntar o som do palco com o som da frente, deixando confortável para o público e para a vizinhança.
Uma observação... Os dois shows começaram cedo e acabaram cedo, não chegando perto das 22h, principalmente o de Nena Queiroga.
Isso já foi uma grande ajuda.
Show Nena Queiroga & Ylana. (Foto by @paulamaestrali)
Se eles tivessem começado depois das 22h, onde o nível de ruído vindo das ruas (carros e transeuntes) diminui absurdamente, tudo seria mais complicado.
Depois desses shows, conversei com vários colegas e amigos de profissão sobre os problemas com o nível sonoro nos eventos em Recife.
E são muitos fatores envolvidos, que deixam tudo mais complicado.
Muitos reclamantes e reclamados não entendem das leis do município, e alguns estão até acima dessas leis, principalmente os reclamantes.
Muitos reclamados não se importam com o tratamento da casa para shows ao vivo ou música mecânica, não sabendo nem a diferença entre tratamento acústico e isolamento acústico.
Muita residência foi construída ao redor depois da casa de eventos.
E muitas casas de eventos foram abertas no meio de residências, utilizando o espaço já construído sem fazer adaptações para execuções sonoras no ambiente.
São muitos pontos envolvidos, e pela nossa conversa no grupo de áudio do WhatsApp, vai ser difícil chegar num consenso.
Já deixei de fazer um trabalho com uma banda, porque vi que seria uma "novela" o lance do nível sonoro quando conversei com o técnico responsável pela sonorização do evento.
O show seria na casa Di Branco, no bairro da Torre (Recife), já famosa pelos problemas com o nível sonoro.
O mesmo problema... Montam a casa para grandes festas de casamentos e aniversários num bairro residencial, onde vão utilizar música mecânica (DJ) ou bandas ao vivo, mas não fazem um estudo antes para o bom uso dessas atrações musicais.
Eu estou deixando de fazer o trabalho, sou doido mesmo.
Liso mas feliz.
Na Di Branco ou na La casa, só volto se for show de voz e violão. (Risos)
O complicado é: Para o vizinho que está reclamando, a culpa é sempre da casa de eventos, independente das leis, e o proprietário do estabelecimento tem a certeza ABSOLUTA que a culpa é do técnico da banda!
Como trabalho com som, sei perfeitamente o quanto um som externo pode atrapalhar a vida de uma pessoa dentro da sua casa.
Já passei por uma situação, morando num apartamento, onde minha varanda dava para uma rua onde tinha uma casa que usava a calçada como lava-jato.
Era o dia todo ouvindo o som contínuo da máquina de jato d'água na lavagem, que se juntava com o som do aspirador de pó gigante em determinadas horas.
Eu tinha que fechar a janela da varanda para poder ouvir o som da minha TV.
Com a janela aberta era impossível!!!
Sei o quanto o som pode incomodar. Sei disso.
E numa análise particular (não sou o dono da verdade), numa escala de culpa, do menor para o maior culpado pelo problema, eu colocaria:
1- O vizinho. 2- O técnico (operador) do artista. 3- O proprietário da casa de eventos.
Acho que o maior responsável pelo problema é o proprietário da casa de eventos!
Se a casa não tem tratamento e/ou isolamento acústico para eventos sonoros no seu interior, só aceite shows que se adaptem ao local.
Não queira fazer um filme de Spielberg com um orçamento de Jaspion!!!
Decibelimetricamente falando, não vai dar certo nunca!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Um abraço a todos.

PS: O resultado dos dois trabalhos foi massa! Mesmo com as limitações. (E do carro da polícia chegando no final!)
PS2: Trabalho fechado no Ceará. Terça-feira viajo para Jericoacoara.
Mudança profissional mais radical da minha vida. Depois conto a história.

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